terça-feira, março 20, 2012

HUMORISMO E PRECONCEITO

O ambiente é descontraído, a plateia com grande disposição para rir e o palco pequeno e sem  qualquer cenário, onde um comediante munido de microfone faz comentários diversos que arranca gargalhadas do público. É o chamado humorismo stand up, uma apresentação rápida, monologa, marcada por tom de "fofoca" e sempre sarcástico, com pitadas de ironia ou forte apelo para o ridículo ou absurdo.
O problema é que esse tipo de humor, que realmente funciona justamente pela descontração e a imprevisibilidade (mesmo tendo um roteiro prévio o comediante acaba desenvolvendo as "tiradas"  ao sabor da plateia e em plena interação com ela) acaba provocando indignações quando alguém se sente discriminado por alguma piada.
Até que ponto as piadas do "stand up" podem ser consideradas ofensivas? O que se vê nas apresentações é um festival de situações que tanto podem ser conduzidas para a crítica, como para o absurdo. A base das piadas são inspiradas no cotidiano popular e portanto carregam os conflitos do meio  para  uma linguagem humorística. Essa realidade desse tipo de comédia leva à necessidade do público assinar um compromisso de que não se sentirá ofendido por alguma piada.
Recentemente uma emissora de TV foi acusada de racismo por transmitir uma apresentação de stand up de um humorista que se auto-denomina "Mulher Feijoada". Negro, vestido de mulher, arrancou gargalhadas do público com suas histórias usando referências como "crioulo", "zulu", macaco e com frases como "Eu ia passando pela rua, veio um bofe e me chamou de bicha. Eu falei, bicha não, senhora dona bitch!".
O problema é que o stand up, seja aqui, seja nos EUA, onde faz sucesso há décadas, ridiculariza o próprio preconceito e  sociedade como um todo, usando uma espécie de "auto-imolação" bem humorada.
Felipe Hamachi, um comediante negro, discursava seu monólogo de humor e a certa altura disse que "não se pega aids em relações sexuais com macacos", olhando em seguida para o tecladista da banda, que se sentiu ofendido. É difícil entender como esse tipo de humor provoca simultaneamente emoções diferentes, ao sair como carga crítica à sociedade pelo seu autor, que afinal estaria também se auto-denominando macaco, arrancando gargalhadas de quem assiste (e que acha tudo engraçado pelo conjunto dessa carga de emoção, com maior ênfase para o gestual do que para o "macaco"), constrangendo a pessoa que foi encarada nesse "mise- en-scène" (outra característica é  interação direta com o público) mas sem constranger outras pessoas negras ou descendentes, em um país extremamente miscigenado como o Brasil. Sem considerar o próprio animal, que afinal está sendo vitima de preconceito por quem se ofende, quando é considerado a origem da raça humana.
Os comediantes de stand up, por outro lado, reclamam que o excesso de preocupação com piadas que podem ser interpretadas como  racismo acabaria com a própria razão de ser desse tipo de espetáculo, que é a improvisação unida ao vocabulário popular e ao cotidiano. Crianças crescem ouvindo piadas que ridicularizam o preconceito, usando mulheres principalmente (as maiores "vitimas" das piadas de costume), portugueses, japoneses, negros, homossexuais, portadores de deficiência, pobres, ricos, milionários, homens muito altos, homens muito baixos, carecas, etc e etc.
Praticamente tudo pode virar piada, hábitos sociais, politica, economia, leis absurdas, até as pessoas normais demais, bonitas demais, inteligentes demais...parece não haver nada que escape a uma visão sarcástica, crítica e bem humorada! E essa é a base da comédia stand up, que afinal também não está livre de ser interpretada da mesma forma que interpreta o mundo ao seu redor!
"Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?" perguntou o humorista Danilo Gentili em seu twitter. E tem razão: uma vez que as piadas são generalizadas e não pessoais, é complicado dizer que são racistas em relação a tudo e todos que existem. Quando tudo é ridicularizado, não há como encontrar racismo em relação a uma categoria social ou descendência.
Hélio La Pena, humorista, foi acusado de "auto-racismo" ao se comparar de forma pejorativa a um "forte moreno". Aí vem a grande piada, nos comentários: "Ele trata com termos pesados, quando o certo deveria ser "afro-descendente com grande massa muscular e bem dotado sexualmente".
Tudo pode virar piada!

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