sexta-feira, agosto 22, 2008

Se não tem, não paga?

A história não é incomum: funcionários de uma empresa de comunicação ouviram boquiabertos a resposta do empresário (sócio majoritário da empresa)ao pedido de regularização dos salários em atraso e ao argumento de que os trabalhadores não tinham como quitar seus débitos, que dependiam da regularidade no pagamento: "se não tem como pagar, simplesmente não paguem!"...




Estamos falando da mentalidade do empresariado, neste caso de uma empresa de porte médio, com razoavel capital. O empresário nunca poderia ter utilizado esse argumento para justificar o próprio erro - deixar os salários defasados e em atraso - incentivando os funcionários a "dar o calote"!

Mas o caso ilustra bem o quanto nossos valores estão confusos. E que o fato de uma pessoa ter seu próprio negócio e tornar-se empresário não o torna absolutamente imune aos erros e a possibilidade de ser caloteiro. Embora neste caso citado pelos funcionários ele atue como agente estimulador do calote!

Todos somos consumidores! Qualquer empresário, de micro a grande porte, é um cidadão que vende seu produto, mas consome também.

Isso quer dizer que o respeito às leis que regulam o consumo deveria ser teóricamente de todos o cidadãos, seja qual for o nível ou o tipo de consumidor, de produtos básicos ao mais supérfluos. Deveria ser de interesse de quem vende um produto ou serviço seguir as regras básicas que norteiam essa relação.

Portanto, se alguém se refere a um devedor que age de má fé, pode estar se referindo a um cidadão que pode ou não ser também um credor. É importante ressaltar isso para que seja modificada a imagem do consumidor, que estaria em posição oposta a do prestador de serviço ou empresário de bens de consumo, como se fossem dua categorias opostas, quando na verdade é um sistema de troca onde a interação é contínua.

Mas no entanto essa situação demonstra bem que o sistema criou mecanismos que protegem uma empresa ou um comércio, mas não o consumidor. E que a mentalidade do "não paga" não parte da população assalariada. Isso porque quando o cidadão assalariado não paga uma conta, ele sofrerá duras consequências com a perda do crédito.

"Dar calote", portanto, não é interessante para o cidadão assalariado, que na verdade sofre com as irregularidades de algumas empresas de bens e de serviços, que terminam por obter grandes lucros dessas infrações.

Cálculos errados na cobrança de juros ou diferença de preços transformam-se em fortunas pela própria dimensão de sua repetição. Por esse motivo os argumentos de alguns empresários enraivecidos pelas denúncias de consumidores não pode sugestionar a Justiça, que deveria preocupar-se com o enriquecimento ilícito das grandes empresas nas suas irregularidades cotidianas e não de consumidores que reivindicam indenizações por danos.

Porque enquanto a Justiça insistir em baixas indenizações - como no caso de uma empresa que movimenta bilhões por ano no mercado, ser condenada a ressarcir o consumidor prejudicado com valores mínimos, não haverá cuidado para evitar os absurdos cotidianos e a crescente impressão de que o crime que lesa um consumidor "compensa".

quinta-feira, agosto 21, 2008

Constrangimento ao consumidor

(...)Gostaria de saber em qual lei se baseia a matéria publicada neste blog para poder reclamar os meus direitos (...) link de referência - http://leiamirna.blogspot.com/2006/06/um-preo-na-prateleira-outro-na-mquina.html


No caso a sua dúvida se refere aos preços cobrados no caixa (ou no momento de fechar o negócio de qualquer bem de consumo)que são diferentes do preço fixado no produto ou no anúncio do produto.


Veja bem, "N", o Código de Defesa do Consumidor é bastante claro. No Art. 6º, na citação dos direitos básicos do consumidor,temos o seguinte: o consumidor tem direito "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem".

Isso significa que os preços devem ser claramente definidos. Na verdade os produtos devem ter seu preço fixado unitariamente, ou seja, cada produto tem uma etiqueta colada nele.

Mas como há constantes mudanças, muitos estabelecimentos não cumprem com essa exigência e utilizam cartazes e etiquetas nas prateleiras e gôndolas. Nesse caso, não importa o produto ou código nessa etiqueta ou cartaz: vale o preço mais próximo ao produto!



Naturalmente lojas e supermercados reagem, dizendo que "na etiqueta está o nome de outro produto". Mas a lei é clara: a loja é obrigada a vender respeitando o valor do preço na etiqueta próxima ao produto, mesmo que se compre sabão em pó com etiqueta de pirulito. O que importa é a localização do preço, quando é desrespeitada a fixação da etiqueta na embalagem.

Veja o que costuma ocorrer neste exemplo real: o consumidor em São Paulo relatou que ao comprar uma ração de cachorro pegou um produto com o preço de R$ 19,90. Ao passar no caixa o preço cobrado foi de R$43,90. "Nao fizeram a ração com o valor de R$19,90, como anunciado na gondola sob alegação que poderia ter sido um erro de reposição", reclamou o consumidor.
"Ocorre que alem disso a gerente sugeriu que eu devia ter trocado os produtos de local, nao concordei pois nao teria o porque de colocar o produto em outro lugar, uma vez que os preços nao sao claros e em tamanho visivel para entendimento, uma vez que fica um proximo ao outro sem ter muita distinção, uma vez que nao raro o mesmo produto chega ter 3 preços diferentes, uma vez que as informaçoes na etiqueta da gondola estavam todas abreviadas e as unicas coisas que eu identifiquei foram o peso da raçao e o sabor -carne". Como pode uma gerente sugerir tal absurdo sem provas? Evidentemente irei processa-los e solicitar as imagens da segurança onde supostamente eu mudava pelo menos 5 pacotes de 10kg de ração de uma prateleira para outra..."



O que temos aqui? Uma situação comum: o supermercado errou ao não etiquetar individualmente o produto, errou novamente ao colocar uma etiqueta com um preço menor (que seria devido a erro de "reposição") e errou, finalmente, ao acusar o cliente de ter "trocado a posição das rações na prateleira". Finalmente, o maior erro: constrangeu o consumidor. Tudo isso não elimina a possibilidade de má fé do estabelecimento: se houve um erro de "reposição", por que motivo não corrigir e ressarcir o consumidor? Ou a intenção é confundir os consumidores que não comparam preços no momento de passar pelo caixa?

O artigo 66 do Código diz que "Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços" resulta em detenção e multa.

O artigo 71 que "Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer" também poderá levar a mesma pena.

A lei é clara, mas parece que os consumidores estão tendo problemas pelo fato de não haver punição. É difícil evitar o constrangimento e cada consumidor que "deixar pra lá" e evitar confronto com as ilegalidades no consumo, piora a situação.

terça-feira, agosto 19, 2008

O consumo, as leis e o "cara de pau"


Recentemente o representante do Procon de um município exaltou-se e criticou uma carta que seria de um consumidor, intitulando-a de "devedor cara-de-pau"!

A situação é confusa. Quando podemos considerar "cara-de-pau" um consumidor que reclama seus direitos?
Ou até que ponto uma pessoa que integra um orgão de orientação legal e defesa do consumidor - independente desse orgão ter vínculos com a administração pública ou ser uma organização não governamental - pode criar maiores dificuldades para evitar os abusos que a população enfrenta cotidianamente?

Certamente deve existir o "devedor cara-de-pau". No entanto pela própria situação desvantajosa diante do sistema, o "devedor-cara-de-pau" é personagem bem mais raro e quase inócuo quando o assunto é justiça no consumo.

Se assim não fosse, não teriam sido criadas as leis que protegem o consumidor, em uma sociedade onde "caras-de-pau" e infratores estão protegidos pelo próprio capital que movimentam. Como por exemplo algumas entidades financeiras, fartas em irregularidades que lesam os clientes na forma de taxas de serviços e juros exagerados.



O que significa então uma crítica como esta, que estranhamente partiu de dentro de um orgão de defesa do consumidor de uma Prefeitura Municipal?

Isso comprova ainda o longo caminho para que haja equilibrio entre as ações de quem comercializa ou presta serviços e a de quem consome. Nem sempre a empresa que presta serviço é uma vilã! Por outro lado o sistema de comércio e serviços tornou-se o vilão ao acabar mordendo a própria cauda: cria novos devedores, abusando do consumidor e chegando até mesmo a dificultar a quitação do débito.

Ou seja, favorece o surgimento dos tais "devedores cara-de-pau"! O consumidor não se sente seguro hoje, com as entidades de defesa!

Por que não?

Pelo fato de que o número de infrações, de abusos e de recursos - muitos deles legalizados recentemente - das grandes empresas de serviços principalmente, cresceu extraordinariamente!

Deveria diminuir, não é? Ora, se temos mecanismos que defendem o consumidor, como pode crescer o abuso sobre ele?

Mas a verdade é essa mesmo: desde os anos 90, quando a população passou a assimilar as leis de proteção ao consumidor e novas entidades surgiram para garantir essa defesa, o sistema entrou em uma espécie de pane. Congestionadas, as entidades que defendem o consumidor - principalmente aquelas sem vínculo com esse mesmo sistema que agride o consumidor - encontraram o Judiciario abarrotado.

Como resultado, quem sofre hoje um atentado de empresas da área de comunicação, como telefonia, da saúde, do sistema financeiro, das universidades privadas ou até mesmo de setores públicos, fica sem defesa.

Engole o sapo!

Provavelmente o "devedor cara-de-pau" é um produto dessa situação de impotência. Uma triste situação, que é gerada pela impossibilidade de fazer valer as leis criadas para o consumidor.

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