Estas são algumas complicações do jornalista, aquele profissional que antigamente centrava sua atuação na função de reporter e porta-voz de todos os acontecimentos, e que hoje exerce uma barafúndia de especializações, onde a essência do jornalismo ou mesmo a função da imprensa, acabam diluindo-se inevitavelmente.
Seria impossível criticar a figura do profissional de jornalismo, sem considerar a industrialização da imprensa, que foi fundamental para a a expansão da notícia através de impressão no papel e distribuição aos leitores. A mesma estrutura que sempre foi objeto de desejo político, seja nos tempos do Renascimento, seja na modernidade do século XX, seja na transformação da notícia neste início do século XXI.
O jornalista por vocação é aquele que mesmo na antiguidade observava os fatos e procurava relatar com o máximo de fidelidade aquilo que havia visto ou ouvido. Ou seja, em todo jornalista existe um reporter embutido, que detesta histórias de "segunda mão" (como nas fofocas e intrigas) e sente um impulso natural de verificar e pesquisar a verdade. Fosse nos tempos dos gazeteiros, fosse nas redações que surgiram da necessidade de empresariar a notícia. Seja na estranha variedade da imprensa deste nosso tempo.
Jornalismo e veracidade seriam portanto inseparáveis. Mas na prática da imprensa isso nem sempre aconteceu. Na Inglaterra de 600 anos atrás obteve-se a chamada liberdade de imprensa, mas até hoje essa liberdade é muito controversa.
O jornalista de hoje, porém, enfrenta um momento único na história. A partir da metade do século XX , a formação técnica do profissional da imprensa mudou radicalmente com a disseminação do ensino superior, o que também interferiu dramaticamente na qualidade da vocação profissional. Nas últimas décadas o jornalismo foi reduzido ao limite das redações de empresas. Mas subitamente expandiu-se para um espaço onde a liberdade de expressão tornou-se inusitada!
Sofrido, espremido entre dois mundos - o da vocação e o do protocolo das redações - o jornalista viu-se repentinamente diante de uma opção única: a de desbravar um espaço cibernético, onde a palavra escrita permanece boiando em um universo sem fronteiras, indefinidamente, e onde a qualidade de seu pensamento e de sua argúcia diante da realidade, ficam escancaradas e despidas dos floreios e limitações das redações empresariais.
É uma nova condição assustadora. Milhares de pessoas frequentam o curso de jornalismo, onde procuram entender as teorias da comunicação, em doutrinas centradas no mecanismo das redações de empresas, que estão em transformação inevitável.
Em paises como os EUA, um dos estímulos mais fortes para a especialização do jornalismo é o jornalismo empresarial. Um tipo de atividade que concentra suas técnicas de comunicação dentro das empresas. Algo muito diferente do reporter "gazeteiro" do berço do jornalismo. É uma condição advinda da necessidade de "adaptações" pressionadas pela comunicação empresarial e política.
Podemos dizer que, nestes tempos conturbados de rápida transformação de hábitos e ideias, profissionais de jornalismo são muito diferentes entre si e que a maioria deles não exerce a função de reporter ou de jornalista reportador de fatos. A profissão dispersou-se e ganhou ramificações que chegam a ser estranhas entre si. Tecnicas semelhantes, para ações e objetivos diferentes.
E aqueles que são "jornalistas tradicionais", ou seja, aqueles que exercem a profissão com o objetivo de informar acima de qualquer interesse empresarial ou político? Morrem de fome, como se costuma comentar nas redações tradicionais?
É nesse aspecto que o jornalismo propriamente dito encontra sentido futuro.
O jornalista, habituado a sobreviver de empresas, assiste consternado à demissões em massa. Mas a mesma transformação que enfraquece as empresas, fortalece o jornalismo natural, ético, que poderá enfrentar em igualdade de condições o espaço da informação que é vital à sua função. Mais do que um reporter, o jornalista é um analista e exerce função histórica, no registro dos fatos. E isso desde sempre, nos primordios da civilização, muito antes da industrialização da informação. E certamente cumprirá sempre com a sua importante função histórica. Independente da existência de empresas e patrões ou das variações políticas. Mesmo porque não se fabrica um jornalista em linha de montagem. O jornalista se faz com ingredientes únicos: paixão pela escrita, pela verdade e respeito à vida. (Mirna Monteiro)
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