quarta-feira, julho 10, 2013

PLEBISCITO E POLITIZAÇÃO DO BRASILEIRO


A palavra plebiscito é desconhecida do brasileiro. Foram realizados no país alguns poucos, dois deles em 1963 e 1993, para escolher sistemas de governo. Opinar nos destinos do país foi algo muito raro, até recentemente, quando parte da população descobriu que através da iniciativa popular poderia exigir a criação de projetos de lei. Foi o caso do Ficha Limpa, com mais de 1,6 milhões de assinaturas de pessoas que mostraram a disposição em acabar com a festança da reeleição de políticos corruptos.
Por esse motivo, ao saber que a Câmara dos Deputados negou a realização de um plebiscito para reforma política, sugerido pela presidente Dilma, aconteceu a frustração, principalmente dos jovens.
A questão é a seguinte: oferecer referendo ao invés de plebiscito é o mesmo que oferecer um copo de água a quem está faminto.
Plebiscito é a manifestação direta da população para decisão de assuntos cruciais. Referendo é simplesmente aprovar ou desaprovar decisões do Congresso. Essa oferta dos deputados federais de usar o referendo como consolo popular em um momento onde todos desejam maior probidade política e administrativa não combina com a urgência dos problemas e passa a impressão de que tudo neste país anda a passos tão lentos, afundando-se em burocracia excessiva e retórica dispensável.
O Congresso está assumindo a figura do senhor Rodrigues repimpado em sua cadeira de balanço, no conto famoso, "Plebiscito", principalmente entre os alunos do ensino fundamental, de Artur de Azevedo.
O escritor criou uma cena que se passava no final do século XIX,  no ambiente familiar onde as crianças queriam saber o que é plebiscito, com o pai que pretendia manter a todo custo o poder e controle de sua posição e a mãe observadora e crítica.
Amadurecendo politicamente graças à grande informação, o cidadão moderno não pode ser considerado infantil, como sugeriu com extremo mau gosto um deputado, ao comentar que reforma política não estaria ao alcance do entendimento do brasileiro a ponto de justificar um plebiscito. Comentário que demonstra que há mais "senhores Rodrigos" entre as leis e o povo, do que supõe a vã filosofia política, ineptos para cumprir com uma representação satisfatória na Câmara Federal e no Senado pela própria ignorância da crescente exigência de qualidade no trabalho dos políticos no Congresso. (MM)

O conto de Artur de Azevedo, Plebiscito, citado neste texto


A cena passa-se em 1890.
A família está toda reunida na sala de jantar.
O senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço. Acabou de comer como um abade.
Dona Bernardina, sua esposa, está muito entretida a limpar a gaiola de um canário belga.
Os pequenos são dous, um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o canário. Ele, encostado à mesa, os pés cruzados, lê com muita atenção uma das nossas folhas diárias.
Silêncio.
De repente, o menino levanta a cabeça e pergunta:
- Papai, que é plebiscito?
O senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme.
O pequeno insiste:
- Papai?
Pausa:
- Papai?
Dona Bernardina intervém:
- Ó seu Rodrigues, Manduca está lhe chamando. Não durma depois do jantar, que lhe faz mal.
O senhor Rodrigues não tem remédio senão abrir os olhos.
- Que é? que desejam vocês?
- Eu queria que papai me dissesse o que é plebiscito.
- Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer doze anos e não sabes ainda o que é plebiscito?
- Se soubesse, não perguntava.
O senhor Rodrigues volta-se para dona Bernardina, que continua muito ocupada com a gaiola:
- Ó senhora, o pequeno não sabe o que é plebiscito!
- Não admira que ele não saiba, porque eu também não sei.
- Que me diz?! Pois a senhora não sabe o que é plebiscito?
- Nem eu, nem você; aqui em casa ninguém sabe o que é plebiscito.
- Ninguém, alto lá! Creio que tenho dado provas de não ser nenhum ignorante!
- A sua cara não me engana. Você é muito prosa. Vamos: se sabe, diga o que é plebiscito! Então? A gente está esperando! Diga!...
- A senhora o que quer é enfezar-me!
- Mas, homem de Deus, para que você não há de confessar que não sabe? Não é nenhuma vergonha ignorar qualquer palavra. Já outro dia foi a mesma coisa quando Manduca lhe perguntou o que era proletário. Você falou, falou, falou, e o menino ficou sem saber!
- Proletário - acudiu o senhor Rodrigues - é o cidadão pobre que vive do trabalho mal remunerado.
- Sim, agora sabe porque foi ao dicionário; mas dou-lhe um doce, se me disser o que é plebiscito sem se arredar dessa cadeira!
- Que gostinho tem a senhora em tornar-me ridículo na presença destas crianças!
- Oh! ridículo é você mesmo quem se faz. Seria tão simples dizer: - Não sei, Manduca, não sei o que é plebiscito; vai buscar o dicionário, meu filho.
O senhor Rodrigues ergue-se de um ímpeto e brada:
- Mas se eu sei!
- Pois se sabe, diga!
- Não digo para me não humilhar diante de meus filhos! Não dou o braço a torcer! Quero conservar a força moral que devo ter nesta casa! Vá para o diabo!
E o senhor Rodrigues, exasperadíssimo, nervoso, deixa a sala de jantar e vai para o seu quarto, batendo violentamente a porta.
No quarto havia o que ele mais precisava naquela ocasião: algumas gotas de água de flor de laranja e um dicionário...
A menina toma a palavra:
- Coitado de papai! Zangou-se logo depois do jantar! Dizem que é tão perigoso!
- Não fosse tolo - observa dona Bernardina - e confessasse francamente que não sabia o que é plebiscito!
- Pois sim - acode Manduca, muito pesaroso por ter sido o causador involuntário de toda aquela discussão - pois sim, mamãe; chame papai e façam as pazes.
- Sim! Sim! façam as pazes! - diz a menina em tom meigo e suplicante. - Que tolice! Duas pessoas que se estimam tanto zangaram-se por causa do plebiscito!
Dona Bernardina dá um beijo na filha, e vai bater à porta do quarto:
- Seu Rodrigues, venha sentar-se; não vale a pena zangar-se por tão pouco.
O negociante esperava a deixa. A porta abre-se imediatamente. Ele entra, atravessa a casa, e vai sentar-se na cadeira de balanço.
- É boa! - brada o senhor Rodrigues depois de largo silêncio - é muito boa! Eu! eu ignorar a significação da palavra plebiscito! Eu!... A mulher e os filhos aproximam-se dele.
O homem continua num tom profundamente dogmático:
- Plebiscito...
E olha para todos os lados a ver se há ali mais alguém que possa aproveitar a lição.
- Plebiscito é uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios.
- Ah! - suspiram todos, aliviados.
- Uma lei romana, percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!..
(Contos fora de moda, 1894.)
Artur Azevedo


Nenhum comentário:

Postar um comentário

A sua opinião é importante: comente, critique, coloque suas dúvidas ou indique assuntos que gostaria de ver comentados ou articulados em crônicas!Clique duas vezes na postagem para garantir o envio de seu comentário.

Arquivo do blog