terça-feira, julho 16, 2013

PONTOS DE VISTA E REALIDADES NA MEDICINA BRASILEIRA

Entidades representativas do profissional de medicina reclamam das alternativas do governo federal que objetivam criar condições de melhora no atendimento, principalmente em regiões interioranas onde não há médicos. O protesto, entre outras coisas, reclama do programa "Mais médicos" e da ampliação em dois anos da formação do profissional, considerando além da teoria maior a prática da medicina.
Parece haver um antagonismo entre a necessidade da sociedade e os desejos dos profissionais de uma área de trabalho diferenciada em seu conceito.
A figura do médico de família era eficiente mesmo sem os benefícios da
ciência e tecnologia porque havia acompanhamento do paciente, o que
favorecia diagnósticos e tratamentos. Hoje o tempo de conhecimento
médio entre médico e paciente é de 10 minutos, suficiente para posologias
protocolares e pedidos de exames. 
Para entidades como o Conselho Federal de Medicina, "o brasileiro corre risco de vida" com a nova redação do projeto de lei que disciplina o exercício da medicina no país. Mas não explica convincentemente  porque afirma isso.
Para o governo federal, é urgente criar condições para melhora do atendimento médico. Os grandes centros estão congestionados, apesar da grande quantidade de profissionais de medicina disponíveis. Em regiões no interior brasileiro não há médicos. Além disso a grande quantidade de profissionais despejada pelas faculdades de medicina no mercado de trabalho não permite complementar a qualificação com a residência médica - fundamental para complemento do aprendizado acadêmico - e o resultado é um aumento impressionante de erros médicos, não divulgados pelas entidades da categoria, mas visíveis nas denúncias da população.
Em toda historia humana medicina foi interpretada como ciência e
dedicação à humanidade, princípio fundamental no
juramento de Hipócrates, que ainda é lembrado na conclusão da
formação acadêmica do profissional de medicina...
Para o cidadão comum, a questão é outra. Nas regiões urbanas hospitais, clinicas e postos de atendimento lotados, com longa espera, consultas ineficientes e falta de acompanhamento das patologias. Há denúncias de negligência no atendimento, de ausência dos profissionais nos hospitais públicos e esquemas de funcionários para encobrir as faltas e da simplificação e mecanização no trato dos pacientes, que recebem o mesmo tratamento para patologias diferentes: cinco minutos de consulta e medicação para sintomas, sem garantia de diagnóstico futuro e agravamento das doenças já existentes. Os hospitais particulares repetem a mesma situação, com enormes filas de pacientes conveniados e atendimento de baixo padrão, principalemnte em hospitais dominados por empresas de planos de saúde, de maneira direta ou indireta.
O resultado é um retorno frequente dos pacientes ao atendimento, causando maior demanda e poucas soluções, com o aumento do risco à vida do paciente.

A critica do Conselho Federal de Medicina é, portanto, um grande vazio em meio à realidade do brasileiro. Embora parte de toda essa deficiência não seja de responsabilidade do profissional de medicina, não deixa de ser falha dessas entidades representativas da categoria, que assiste há décadas a queda na qualidade da formação do médico e nas condições de trabalho, além de um fator de inegável importância: a mercantilização de uma profissão que não pode servir aos interesses comerciais.
Prova disso é a concentração de médicos nos grandes centros, a exploração dos convênios e os preços altíssimos das cirurgias e internações hospitalares, além da exploração financeira nos tratamentos de patologias de risco, como o câncer.
Para a população, essa ameaça dos conselhos de medicina, de que trazer mais médicos e ampliar o treinamento dos novos profissionais é "risco a vida do brasileiro", soa como uma insistência em manter um modelo distorcido e pouco funcional da medicina, que é tão importante e fundamental para a vida que não pode servir a qualquer outro interesse que não seja o de ajudar o próximo.
De que valem mil médicos querendo explorar a medicina? Melhor um décimo de pessoas que se capacitaram por vocação para salvar vidas e reduzir o sofrimento de um ser humano.
De que vale milhares de médicos apertados em centro como São Paulo, dobrando plantões e faltando em parte deles, cansados e desinteressados em perder tempo com pacientes? Melhor peneirar os profissionais competentes e conscientes e aumentar sua valorização.
Enfim, de que vale fazer protestos contra a abertura de trabalho para profissionais de outros países, capacitados, se não há interesse do medico brasileiro em cobrir a deficiência de atendimento em áreas interioranas? O medo da concorrência ou a possível constatação da capacidade profissional precária de parte dos médicos brasileiros? Francamente, esse tipo de ação contraria os princípios da própria Constituição e de leis que proíbem o domínio da informação e de serviços na forma de cartéis ou de barganhas quando a questão envolve vidas humanas. E não ajuda em nada a valorização de um trabalho que historicamente é o mais respeitado pela humanidade justamente por colocar princípios acima de meros interesses pessoais.

quarta-feira, julho 10, 2013

PLEBISCITO E POLITIZAÇÃO DO BRASILEIRO


A palavra plebiscito é desconhecida do brasileiro. Foram realizados no país alguns poucos, dois deles em 1963 e 1993, para escolher sistemas de governo. Opinar nos destinos do país foi algo muito raro, até recentemente, quando parte da população descobriu que através da iniciativa popular poderia exigir a criação de projetos de lei. Foi o caso do Ficha Limpa, com mais de 1,6 milhões de assinaturas de pessoas que mostraram a disposição em acabar com a festança da reeleição de políticos corruptos.
Por esse motivo, ao saber que a Câmara dos Deputados negou a realização de um plebiscito para reforma política, sugerido pela presidente Dilma, aconteceu a frustração, principalmente dos jovens.
A questão é a seguinte: oferecer referendo ao invés de plebiscito é o mesmo que oferecer um copo de água a quem está faminto.
Plebiscito é a manifestação direta da população para decisão de assuntos cruciais. Referendo é simplesmente aprovar ou desaprovar decisões do Congresso. Essa oferta dos deputados federais de usar o referendo como consolo popular em um momento onde todos desejam maior probidade política e administrativa não combina com a urgência dos problemas e passa a impressão de que tudo neste país anda a passos tão lentos, afundando-se em burocracia excessiva e retórica dispensável.
O Congresso está assumindo a figura do senhor Rodrigues repimpado em sua cadeira de balanço, no conto famoso, "Plebiscito", principalmente entre os alunos do ensino fundamental, de Artur de Azevedo.
O escritor criou uma cena que se passava no final do século XIX,  no ambiente familiar onde as crianças queriam saber o que é plebiscito, com o pai que pretendia manter a todo custo o poder e controle de sua posição e a mãe observadora e crítica.
Amadurecendo politicamente graças à grande informação, o cidadão moderno não pode ser considerado infantil, como sugeriu com extremo mau gosto um deputado, ao comentar que reforma política não estaria ao alcance do entendimento do brasileiro a ponto de justificar um plebiscito. Comentário que demonstra que há mais "senhores Rodrigos" entre as leis e o povo, do que supõe a vã filosofia política, ineptos para cumprir com uma representação satisfatória na Câmara Federal e no Senado pela própria ignorância da crescente exigência de qualidade no trabalho dos políticos no Congresso. (MM)

O conto de Artur de Azevedo, Plebiscito, citado neste texto


A cena passa-se em 1890.
A família está toda reunida na sala de jantar.
O senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço. Acabou de comer como um abade.
Dona Bernardina, sua esposa, está muito entretida a limpar a gaiola de um canário belga.
Os pequenos são dous, um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o canário. Ele, encostado à mesa, os pés cruzados, lê com muita atenção uma das nossas folhas diárias.
Silêncio.
De repente, o menino levanta a cabeça e pergunta:
- Papai, que é plebiscito?
O senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme.
O pequeno insiste:
- Papai?
Pausa:
- Papai?
Dona Bernardina intervém:
- Ó seu Rodrigues, Manduca está lhe chamando. Não durma depois do jantar, que lhe faz mal.
O senhor Rodrigues não tem remédio senão abrir os olhos.
- Que é? que desejam vocês?
- Eu queria que papai me dissesse o que é plebiscito.
- Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer doze anos e não sabes ainda o que é plebiscito?
- Se soubesse, não perguntava.
O senhor Rodrigues volta-se para dona Bernardina, que continua muito ocupada com a gaiola:
- Ó senhora, o pequeno não sabe o que é plebiscito!
- Não admira que ele não saiba, porque eu também não sei.
- Que me diz?! Pois a senhora não sabe o que é plebiscito?
- Nem eu, nem você; aqui em casa ninguém sabe o que é plebiscito.
- Ninguém, alto lá! Creio que tenho dado provas de não ser nenhum ignorante!
- A sua cara não me engana. Você é muito prosa. Vamos: se sabe, diga o que é plebiscito! Então? A gente está esperando! Diga!...
- A senhora o que quer é enfezar-me!
- Mas, homem de Deus, para que você não há de confessar que não sabe? Não é nenhuma vergonha ignorar qualquer palavra. Já outro dia foi a mesma coisa quando Manduca lhe perguntou o que era proletário. Você falou, falou, falou, e o menino ficou sem saber!
- Proletário - acudiu o senhor Rodrigues - é o cidadão pobre que vive do trabalho mal remunerado.
- Sim, agora sabe porque foi ao dicionário; mas dou-lhe um doce, se me disser o que é plebiscito sem se arredar dessa cadeira!
- Que gostinho tem a senhora em tornar-me ridículo na presença destas crianças!
- Oh! ridículo é você mesmo quem se faz. Seria tão simples dizer: - Não sei, Manduca, não sei o que é plebiscito; vai buscar o dicionário, meu filho.
O senhor Rodrigues ergue-se de um ímpeto e brada:
- Mas se eu sei!
- Pois se sabe, diga!
- Não digo para me não humilhar diante de meus filhos! Não dou o braço a torcer! Quero conservar a força moral que devo ter nesta casa! Vá para o diabo!
E o senhor Rodrigues, exasperadíssimo, nervoso, deixa a sala de jantar e vai para o seu quarto, batendo violentamente a porta.
No quarto havia o que ele mais precisava naquela ocasião: algumas gotas de água de flor de laranja e um dicionário...
A menina toma a palavra:
- Coitado de papai! Zangou-se logo depois do jantar! Dizem que é tão perigoso!
- Não fosse tolo - observa dona Bernardina - e confessasse francamente que não sabia o que é plebiscito!
- Pois sim - acode Manduca, muito pesaroso por ter sido o causador involuntário de toda aquela discussão - pois sim, mamãe; chame papai e façam as pazes.
- Sim! Sim! façam as pazes! - diz a menina em tom meigo e suplicante. - Que tolice! Duas pessoas que se estimam tanto zangaram-se por causa do plebiscito!
Dona Bernardina dá um beijo na filha, e vai bater à porta do quarto:
- Seu Rodrigues, venha sentar-se; não vale a pena zangar-se por tão pouco.
O negociante esperava a deixa. A porta abre-se imediatamente. Ele entra, atravessa a casa, e vai sentar-se na cadeira de balanço.
- É boa! - brada o senhor Rodrigues depois de largo silêncio - é muito boa! Eu! eu ignorar a significação da palavra plebiscito! Eu!... A mulher e os filhos aproximam-se dele.
O homem continua num tom profundamente dogmático:
- Plebiscito...
E olha para todos os lados a ver se há ali mais alguém que possa aproveitar a lição.
- Plebiscito é uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios.
- Ah! - suspiram todos, aliviados.
- Uma lei romana, percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!..
(Contos fora de moda, 1894.)
Artur Azevedo


sexta-feira, julho 05, 2013

PODER E ÉTICA NA MEDICINA

Enquanto a medicina evolui constantemente, a imagem do médico  retrocede. É esta a interpretação da sociedade diante do aumento das reclamações contra ações do  profissional de medicina. As longas filas de espera nem sempre são responsabilidade do sistema
Parece haver cada vez mais consenso no sentido de fazer com que médicos contratados por prefeituras também usem cartão de ponto para registrar horários de entrada e saída em postos de saúde. Se bem que surgiram já denúncias de "dedos de silicone" e outros artifícios para driblar o controle.
 Reflexo da mudança na postura do profissional, que deixa de manter a aura de dedicação e vocação para ajudar o próximo, para assumir uma mentalidade pragmática e comercial no trato com pacientes.
Obviamente os profissionais de medicina rejeitam a ideia, argumentando que muitas vezes precisam deixar os postos para atendimentos de emergência. O que na verdade acontece raramente.
Esta é apenas uma ponta de um problema crescente, o da ausência de médicos em horários de grande demanda de pacientes, não apenas em postos de saúde, mas em hospitais. Mesmo hospitais particulares mostram o ambiente congestionado, com grande espera, semelhante aos hospitais públicos.
Um dos motivos apontados para esse congestionamento nas redes particulares seria o crescimento dos planos de saúde, o que na verdade não explica nada. Nem tampouco elimina a responsabilidade do profissional de medicina na queda da qualidade do atendimento. Recentemente a funcionaria de um hospital revelou publicamente que a causa da enorme fila de pacientes aguardando o atendimento não era causada por correria dos médicos em plantão. "Eles estão na salinha jogando baralho" |(a "salinha" seria o quarto de descanso, usado no intervalo do atendimento).
Enquanto a população brasileira cresceu em 104,8%  desde os anos 70, o número de médicos no país cresceu 530% . Ao contrário do que se pensa, ao olhar imensas filas em hospitais e salas de espera lotadas em consultórios particulares, não faltam médicos nas regiões superurbanizadas. A conclusão é do CFM - Conselho Federal de Medicina  e do Cremesp-  Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, que alerta para uma concentração desigual de profissionais, determinada pelo mercado, pela renda, por disparidades regionais e distribuição das especialidades médicas, mas considera o total de médicos em atividade - mais de 372 mil profissionais - suficientes para cobrir as necessidades do brasileiro.
Resta então a pergunta: se há tão grande numero de profissionais de medicina ativos nas áreas de grande concentração populacional, o que acontece com o exercício da profissão que vem também acumulando ao longo das últimas décadas reclamações cada vez mais frequentes, a ponto de sugerir uma falsa situação de baixo número de profissionais?
Mais preocupada com a qualidade do atendimento do que com a demografia medica no Brasil, a população reclama de piora na qualidade do atendimento não apenas nos sistemas de saúde, mas também nos consultórios, onde a figura do "médico de família" (aquele profissional dedicado e em condições de acompanhar o histórico dos pacientes) se torna raríssima. A ausência de acompanhamento do paciente impede o sucesso nos tratamentos.
Para marcar uma consulta é preciso esperar muito tempo, em alguns casos até dois meses..A esses problemas somam-se outros, como as perigosas "consultas-relâmpago", incompletas e superficiais, que não atingem o objetivo maior que é a prevenção das doenças, e resultam muitas vezes em prescrições de medicamentos para combater sintomas.
Se não há falta de profissionais, oque está acontecendo? Os pacientes reclamam de dois fatores principais: a mercantilização da medicina, com a proliferação dos planos  de saúde, cartéis e mentalidade unicamente  voltada para o capital e a perda dos  valores éticos da profissão, que passaram a ocupar espaço menor na formação do profissional. A baixa na qualidade da formação acadêmica seria outro aspecto importante, agravado pela ausência de um dos complementos mais fundamentais para o profissional de medicina, o período de residência em hospitais, que é na verdade o ensino prático de um trabalho que depende de dedicação e experiência para sua eficiência

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