terça-feira, agosto 21, 2012

WIKILEAKS E SAIAS JUSTAS

Julian Assange, o jornalista australiano que colocou em polvorosa a inteligência americana através do Wikileaks, certamente integrará as lendas cibernéticas no futuro, como a personagem que provou ser a internet um mundo onde a ilusão pode ser bruscamente transformada em realidade, ao contrário de livros, jornais e filmes que correm o mundo formando e perpetuando opiniões. Mas no momento enfrenta a dura realidade da perseguição e punição pelo atrevimento de ter denunciado através de vídeos e arquivos secretos ações arbitrárias dos EUA no Iraque e Afeganistão, entre muitos outros documentos, milhares deles.
Assange é hoje um homem perseguido, que tenta salvar a própria pele. Conseguiu asilo político no Equador, mas enfrenta a recusa da Inglaterra em fornecer o salvo-conduto, para que possa deixar a embaixada equatoriana e seguir para o novo espaço.
A situação é extremamente incômoda para os EUA porque o Wikileaks e a divulgação dos documentos sigilosos já trouxeram e mantém à tona denúncias de ações que não podem ser simplesmente ignoradas ou apagadas como borracha com a prisão do criador do site. A Rússia iniciou pressão sobre a questão, já há dois anos atrás, pedindo investigação de fato, clara e minuciosa, das denúncias de abusos, torturas e crimes de guerra que teriam sido cometidos no Iraque. De acordo com o posicionamento oficial da Chancelaria russa, as autoridades americanas não poderiam se concentrar na "caça" a  Assange, mas sim apurar as graves denúncias. Posicionamento que foi claramente ignorado.
O que não impediu que milhões de internautas se envolvessem em críticas e movimentos em favor da liberdade de Julian Assange. O que mais movimenta as redes sociais no momento são petições para permitir que o australiano possa usufruir do direito ao asilo político no Equador, considerando absurda a hesitação da Inglaterra em permitir seu salvo-conduto.
De qualquer maneira, o criador do Wikileaks já entrou para a história e mudou definitivamente a ideia de que politica e estratégias do poder podem ser ocultadas com segurança no meio cibernético. Mostra também que os desafios são outros e que o mesmo poder da informação que antes manipulava tornou-se o poder que hoje levanta o tapete e mostra o que foi varrido para baixo dele.
Um tipo de situação que parece alheia ao esforço humano de dominar o espaço universal com a mentalidade egocêntrica dos tempos bárbaros.
A verdade é que o universo virtual acabou encolhendo o saia de países com alta experiência estrategista no mundo, como os EUA e está cada vez mais impedindo seu movimento no domínio da informação. A porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland, declarou que Assange tenta desviar a atenção do "centro da questão", que seria um suposto abuso sexual do qual é acusado na Suécia. Francamente, esse tipo de argumento fortalece ainda mais a ideia generalizada de "caça às bruxas" promovida pelos EUA, que nunca antes em sua história usou todos os recursos da Inteligência e todo seu poder de pressão para que um abuso sexual fosse transformado em caso de política mundial, em detrimento de crimes de guerra que não só envolvem abuso, mas crimes hediondos contra a humanidade.
São contradições que ferem os direitos humanos, respeitados apenas quando há interesse. É o caso do ultimato de Obama, que ameaça com intervenção militar a Síria caso venha a utilizar armas químicas. Armas químicas de fato são hediondas e devem ser combatidas. O que não se entende é por que Obama age com tanta certeza na Síria, esquecendo de apurar denúncias já formais do uso o terrível fósforo branco na Palestina, por Israel.
Contradições que reforçam a necessidade de liberdade para Assange e abrem uma questão que deve ser discutida por todos os países: onde fica o limite entre a garantia da privacidade para a soberania de um país e  o sigilo de ações que colocam a humanidade em risco ou agridem princípios dos direitos universais, tão fundamentais para a paz?

sábado, agosto 04, 2012

PODER E ÉTICA NA MEDICINA

Enquanto a medicina evolui constantemente, a imagem do médico  retrocede. É esta a interpretação da sociedade diante do aumento das reclamações contra ações do  profissional de medicina. As longas filas de espera nem sempre são responsabilidade do sistema
Parece haver cada vez consenso no sentido de fazer com que médicos contratados por prefeituras também usem cartão de ponto para registrar horários de entrada e saída em postos de saúde. Reflexo da mudança na postura do profissional, que deixa de manter a aura de dedicação e vocação para ajudar o próximo, para assumir uma mentalidade pragmática e comercial no trato com pacientes.
Obviamente os profissionais de medicina rejeitam a ideia, argumentando que muitas vezes precisam deixar os postos para atendimentos de emergência. O que na verdade acontece raramente.
Esta é apenas uma ponta de um problema crescente, o da ausência de médicos em horários de grande demanda de pacientes, não apenas em postos de saúde, mas em hospitais. Mesmo hospitais particulares mostram o ambiente congestionado, com grande espera, semelhante aos hospitais públicos.
Um dos motivos apontados para esse congestionamento nas redes particulares seria o crescimento dos planos de saúde, o que na verdade não explica nada. Nem tampouco elimina a responsabilidade do profissional de medicina na queda da qualidade do atendimento. Recentemente a funcionaria de um hospital revelou publicamente que a causa da enorme fila de pacientes aguardando o atendimento não era causada por correria dos médicos em plantão. "Eles estão na salinha jogando baralho" |(a "salinha" seria o quarto de descanso, usado no intervalo do atendimento).
Enquanto a população brasileira cresceu em 104,8%  desde os anos 70, o número de médicos no país cresceu 530% . Ao contrário do que se pensa, ao olhar imensas filas em hospitais e salas de espera lotadas em consultórios particulares, não faltam médicos nas regiões superurbanizadas. A conclusão é do CFM - Conselho Federal de Medicina  e do Cremesp-  Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, que alerta para uma concentração desigual de profissionais, determinada pelo mercado, pela renda, por disparidades regionais e distribuição das especialidades médicas, mas considera o total de médicos em atividade - mais de 372 mil profissionais - suficientes para cobrir as necessidades do brasileiro.
Resta então a pergunta: se há tão grande numero de profissionais de medicina ativos nas áreas de grande concentração populacional, o que acontece com o exercício da profissão que vem também acumulando ao longo das últimas décadas reclamações cada vez mais frequentes, a ponto de sugerir uma falsa situação de baixo número de profissionais?
Mais preocupada com a qualidade do atendimento do que com a demografia medica no Brasil, a população reclama de piora na qualidade do atendimento não apenas nos sistemas de saúde, mas também nos consultórios, onde a figura do "médico de família" (aquele profissional dedicado e em condições de acompanhar o histórico dos pacientes) se torna raríssima. A ausência de acompanhamento do paciente impede o sucesso nos tratamentos.
Para marcar uma consulta é preciso esperar muito tempo, em alguns casos até dois meses..A esses problemas somam-se outros, como as perigosas "consultas-relâmpago", incompletas e superficiais, que não atingem o objetivo maior que é a prevenção das doenças, e resultam muitas vezes em prescrições de medicamentos para combater sintomas.
Se não há falta de profissionais, oque está acontecendo? Os pacientes reclamam de dois fatores principais: a mercantilização da medicina, com a proliferação dos planos  de saúde, cartéis e mentalidade unicamente  voltada para o capital e a perda dos  valores éticos da profissão, que passaram a ocupar espaço menor na formação do profissional. A baixa na qualidade da formação acadêmica seria outro aspecto importante, agravado pela ausência de um dos complementos mais fundamentais para o profissional de medicina, o período de residência em hospitais, que é na verdade o ensino prático de um trabalho que depende de dedicação e experiência para sua eficiência. (Mirna Monteiro)

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