terça-feira, dezembro 27, 2011

CORREGEDORIAS E LIMITES DE INVESTIGAÇÃO

A ministra Eliana Calmon decidiu investigar
primeiro o Tribunal de Justiça de São Paulo
porque encontrou 150 movimentações
suspeitas, o maior número entre
os tribunais. Cerca de 45% dos magistrados
do tribunal não apresentaram as declarações
de Imposto de Renda de 2009 e 2010,
como determina a lei.
A reação de associações de magistrados contra o trabalho da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, argumentando possível invasão de dados sigilosos, trouxe à discussão popular um assunto que antes era considerado tabu: avaliar a idoneidade ou a competência de magistrados. A existência de corregedorias era até mesmo desconhecida, em um ambiente considerado intocável por qualquer cidadão que não pertencesse ao sistema judiciário.
É saudável para a uma sociedade que todo o aparato ligado à Justiça - desde a burocracia excessiva e termos jurídicos exagerados- até o fator humano que envolve o trabalho de advogados e funções no judiciário, como os cartórios, seja um sistema inacessível e misterioso? Seria favorável ao objetivo da Justiça que magistrados considerem-se cidadãos acima de qualquer lei ou dúvida, mantendo-se em uma espécie de limbo intocável?
Parece lógico que um magistrado receba um tratamento diferenciado no que se refere à preservação de seu espaço para que possa exercer a difícil função de julgar os fatos e ajusta-los à lei no objetivo de obter um resultado justo do ponto de vista ético e legal da sociedade. Na verdade deve ser cercado do mais absoluto respeito, já que o próprio ambiente de tribunais não pode ser desacatado.
Mas torna-lo um cidadão acima de qualquer outro cidadão não condiz com a função do mecanismo judiciário.
A questão crucial é a seguinte: um magistrado tem o direito a abster-se de ser observado e, se for o caso, manter sob sigilo informações que comprovem a sua absoluta idoneidade?
Tudo e todos que representam o organismo da Justiça - e nisso incluímos não apenas nossos magistrados, mas também os nossos legisladores - são dependentes da mais absoluta transparência. Não pode restar qualquer dúvida em relação à sua eficiência, competência e idoneidade.
Naturalmente não há necessidade de manter em aberto, publicamente, todo seu movimento fiscal ou bancário. Mas exigir sigilo, principalmente quando há necessidade de alguma investigação ou simplesmente na rotina de trabalho de uma corregedoria, não combina com a importância da função e a extrema responsabilidade exigida no cargo.
Ao  reclamar do trabalho de uma Corregedoria, a Associação dos Juízes Federais, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e a Associação dos Magistrados Brasileiros colocaram todo o sistema judiciário em confronto com a interpretação do que seria uma Justiça eficiente e acima de qualquer suspeita, pois criticam uma ação natural de um organismo que existe justamente para preservar a mais importante das instituições!
A primeira e maior ação da Justiça é buscar a verdade através da investigação dos fatos. Negar essa ação coloca em cheque todo um processo de reabilitação do sistema judiciário, que de fato não tem funcionado com eficiência. E prejudica a maioria dos magistrados que desempenha suas funções na mais absoluta probidade.

sexta-feira, dezembro 16, 2011

CORAGEM PARA APURAR VERDADES

Em matéria de política a única coerência possível  é a eterna vigilância do eleitor sobre as ações de seus eleitos. Escolher a ideologia de acordo com expectativas pessoais tem lá sua importância, mas transformar políticos em uma espécies de semi-deuses demonstra a incapacidade de entendimento do frágil equilíbrio que existe entre a máquina administrativa, nosso poder legislativo e o destino do país.
Por esse motivo parece pouco racional tentar encobrir denúncias de extrema importância para o país, como está acontecendo no caso de um livro lançado recentemente, chamado "A Privataria Tucana", onde uma série de relatos demonstra irregularidades ocorridas em governos anteriores.
Exigir apuração através de investigações da Polícia Federal é a melhor atitude diante de afirmações de corrupção. Aliás é o que vem acontecendo ao longo dos últimos anos, desde que o governo federal deixou de ser assumido pelo mesmo grupo político - marcadamente o PSDB e DEM - e cumpriu com a alternância legítima passando a ter como partido da situação o PT.
No início do governo Lula os adversários políticos iniciaram um bombardeio de denúncias, que no final das contas foram objeto de investigações. Assim que assumiu, a presidente Dilma Rousseff também passou - e ainda passa - por interferências diretas em seu governo, com grupos de parlamentares fazendo denúncias sistemáticas, apenas acusações de possíveis ocorrências, sem material crível , que ainda assim foram respeitadas pelo governo, que substituiu por várias vezes ministros para que não houvesse dúvidas quanto à idoneidade administrativa.
As denúncias feita no livro "A Privataria Tucana" são graves. É de interesse do próprio eleitor do PSDB saber se realmente procedem. Deveria ser de interesse do próprio PSDB colaborar com uma investigação séria, principalmente se os fatos ali narrados são realmente "um lixo", conforme se referiu textualmente o ex-governador José Serra em relação ao livro, negando qualquer procedência.
Ser denunciado por falcatruas não é, realmente, muito agradável. Inocente ou culpado, o objeto da denúncia torna-se um alvo da crítica popular.  Quem é inocente, no entanto, recupera-se após o levantamento real dos fatos, como vêm ocorrendo no caso das centenas de denúncias que foram descarregadas desde a febre das CPIs no Congresso, a maioria delas simples intriga política.
Melhor para todos, para os brasileiros e inclusive para o PSDB, que as denúncias contidas no livro sejam objeto de investigação!

quinta-feira, dezembro 15, 2011

CRIANÇAS ASSASSINAS

Aquela figura do homicida barbado, de olhar frio e maldoso, usada para exemplificar os vilões da humanidade, está perdendo a identidade. Os novos vilões podem ser qualquer um, habitar sob a capa de algum cidadão aparentemente pacato, ou ser surpreendentemente jovem, crianças que viveram poucos anos, não conhecem nada da vida, mas que não hesitam em usar uma arma para matar.
Essa nova realidade está causando confusão na interpretação do que seria a infância e adolescência em tempos de grande incentivo à violência e se realmente uma criança poderia ser considerada inimputável.
Há duas faces da nova realidade dos assassinos precoces. Bandidos do tráfico usam menores de idade para cometer crimes, comandando-os como se comanda um robô por controle remoto. Invariavelmente esses adolescentes e crianças são presos, passam por momentos de tensão e violência e acabam de novo nas ruas.
Outra face do problema mostra crianças que não estão na marginalidade, mas assassinam outras crianças de maneira oportunista. Há casos nos EUA e Inglaterra onde crianças de nove, dez anos, mataram outras menores. No Brasil também acontecem casos bizarros, como a morte de um menino em idade pré-escolar por causa do ferimento causado pela bala de um revolver disparado pelo coleguinha de sala de aula. Há outros casos envolvendo disputas diversas, como o aparelho de DVD que levou um garoto de 13 anos assassinar com um golpe de enxada o amigo de 12 anos, que foi enterrado no quintal.
Crianças que são assediadas por bandidos e que terminam dependentes de drogas, sendo treinadas para a marginalidade, tem sua explicação óbvia. Mas e aquelas que tem uma vida aparentemente normal e que matam por motivos fúteis? 
A garota de 12 anos, 1m50 de altura, de Santa Maria, no Distrito Federal, sacou de uma faca que levava e matou outra menina de 15 anos, por simples desinteligência. "Levei um tapa na cara" disse ela, durante depoimento na delegacia. 
O que se observa é um gradual desprezo pela vida, na mesma medida em que filmes e vídeo-games banalizam a violência. O sangue que espirra virtualmente ou nas telas da TV parece tornar-se tão corriqueiro e aceitável como o qualquer outro produto veiculado pela mídia, espremendo em algum espaço reduzido os valores éticos e morais que mantinham sob controle a violência.
A cena de comerciantes nos EUA fazendo promoções de armas de fogo para serem presenteadas à crianças é uma faceta do descontrole da violência. Armas leves, supostamente criadas para tiro ao alvo em mãos delicadas de crianças, mas que acabam sacramentando uma mensagem nefasta, a de um futuro onde o desarmamento e a tentativa de apaziguar o instinto primário humano é utópico. 
Com isso a sociedade é obrigada a admitir que o sistema de vida está impondo graves desequilíbrios à formação básica da comunidade. O ser humano é o animal mais dependente de proteção desde que nasce e ao longo de seu crescimento físico, sendo essencialmente emocional. 
Entre todos os casos da crescente violência infantil e adolescente, devemos admitir que as causas são abusos e violência da própria criança, que não é preparada para um mundo pacífico, mas para uma vida onde há dor, desrespeito, violação de seus direitos e negligência com suas necessidades. Não há como lidar com isso com fatores isolados. 
Não é um problema da estrutura do Ensino ou de possíveis palmadas e beliscões corretivos ou da cômoda situação de reduzir a maioridade penal, que é uma grande besteira, embora seja importante punir, de alguma forma, os casos abusivos e hediondos, que devem ser julgados individualmente.
É algo mais complexo, que envolve um processo de deterioração dos valores morais e éticos, onde a única alternativa parece ser realmente o resgate da cidadania e a punição rigorosa não apenas da criminalidade, mas de toda a forma de violência, com vigilância redobrada de toda a sociedade para a proteção da criança.
É muito fácil destruir a personalidade de uma criança, tornando-a no futuro um sujeito agressor de seu meio.
Está aí a maior prova de que a questão não se resume a redução, cada vez maior, da idade em que uma criança ou adolescente assume sua responsabilidade penal:  vulnerabilidade à interferência sofrida no ambiente. (Mirna Monteiro)

terça-feira, dezembro 13, 2011

AVIÃO ESPIÃO E ÉTICA INTERNACIONAL

Os EUA exigem que o Irã devolva um avião espião não tripulado que teria sido derrubado depois de invadir o espaço aéreo iraniano. O Irã nega essa possibilidade, já que os EUA perdeu o direito sobre o aparelho RQ-170 , conforme leis internacionais  que garantem a soberania do espaço aéreo.
Mesmo que a questão seja analisada evitando aspectos políticos da tensão entre o Irã, EUA e Israel, é preciso reconhecer a fragilidade da ética que teoricamente é adotada nas relações internacionais. Fragilidade que ordinariamente não impede a invasão aos direitos humanos das populações. 
Espionagem não é novidade e não é necessariamente incompatível com valores éticos que permitem a sobrevivência do planeta. Temos um sistema de inteligência competitiva na ciência e invariavelmente isso significa envolvimento bélico, com tecnologias inovadoras. 
O mais irônico no sistema das relações internacionais que impõe constante competitividade é que o argumento da destruição é usado como alternativa para evolução da tecnologia, que por sua vez é seria cada vez mais indispensável para garantir recursos de sustentação para um mundo populoso. 
Esse discurso, em conflito direto com a realidade do direito de todos os países e populações à sobrevivência e à dignidade da preservação de seu espaço físico, tem chocado a comunidade mundial principalmente em tentativas de acordos éticos que não são respeitados. 
É o caso do Protocolo de Kyoto, que depende da colaboração dos países para atingir metas comuns para o aumento no uso de fontes de energias limpas, na proteção de florestas e outras áreas verdes, diminuição das emissões de metano e gases poluentes, entre outras necessidades ambientais que pretendem evitar maior violência nos fenômenos cíclicos naturais. EUA, China e India recusaram-se de participar dele, no afã de manter a escalada econômica. Agora o Canadá, que integrava o Protocolo, anunciou a sua desistência, alegando que não pode mais "perder" produção em nome da redução da emissão de poluentes.
As possibilidades de se evitar catástrofes no entanto são reduzidas na medida que questões éticas de interesse comum são desrespeitadas ou reduzidas em sua importância. Relações internacionais necessitam de absoluta adesão às leis e acordos entre todos os países, mas principalmente daqueles que mantém maior poder econômico e tecnológico. Ou o futuro será mais incerto do que a mera tecnologia de aviões espiões, que invadem o direito natural das populações. (MM)

sexta-feira, dezembro 09, 2011

COMIDA ENVENENADA

Morte para quem manipula sem cuidados e problemas crônicos de saúde - que podem eventualmente também levar à morte - aos que consomem hortaliças, legumes e frutas com altos resíduos de pesticidas. Os agrotóxicos são maior ameaça do que supõe. E aí vem a pergunta: se todos sabemos a respeito dos riscos e do enorme prejuízo à saúde das populações, por que esses venenos, denominados pelo mercado como "defensivos agrícolas" são comercializados e largamente consumidos?
No pós-guerra descobriu-se que o dicloro-difenil-tricloroetano, ou DDT, usado para matar mosquitos em áreas de risco de malária e tifo, podia combater pragas e a substância começou a ser maciçamente utilizada em plantações. Não demorou para comprovar os riscos para a saúde: o DDT causava câncer e comprometia orgãos como o coração, fígado, rins e cérebro.
Nos anos 70 ele foi proibido. Em contrapartida a crescente indústria de pesticidas criou uma gama enorme de produtos para serem aplicados nas culturas, como inseticidas organofosforados, organoclorados, piretróides, fungicidas ditiocarbamatos, herbicidas fenoxiacéticos, dipiridílicos, fumigantes brometo de metila e fosfeto de alumínio. Tudo isso somado a grande incentivo para o consumo, que era movido principalmente pela obtenção de maior lucro e menor perda no plantio.
A justificativa era a seguinte: aplicados da maneira correta e diluídos na quantidade certa, os riscos de contaminação seriam "toleráveis", ou seja, não significariam necessariamente (porque tudo é relativo, desde a lavagem do alimento até a quantidade de seu consumo) prejuízo à saúde popular.
A terra foi sendo contaminada rapidamente. Nos anos 70 e 80 agricultores desavisados do risco (apesar da venda ser controlada, na prática isso não acontece e qualquer um pode adquirir venenos) enfrentaram problemas de saúde, de paralisia e morte. Não sabiam a quantidade certa a ser aplicada e tampouco que os tambores de veneno continuavam contaminados. Imigrantes japoneses que trabalhavam a terra e utilizaram os tambores como ofurô, morreram ou sofreram graves problemas neurológicos e orgânicos.
Venenos poderosos e mal administrados, que contaminam os aplicadores, o solo e a água (recipientes desses venenos são lavados em córregos e rios) e as populações.
Sempre houve tentativa de controle. Esporadicamente amostras eram analisadas pelo Instituto Biológico de São Paulo e os altos índices de substâncias venenosas nos alimentos era denunciada. Agricultores passaram a  usar equipamentos de proteção. Mas o restante - venda indiscriminada, aplicações exageradas e comida contaminada - vem piorando nas últimas décadas.
Por que?
A questão envolve um mercado mundial poderoso, com com fortes lobbies no Congresso e que movimenta em torno de 50 bilhões de dólares no mundo. Desde os anos 70, quando foi desenvolvido o Plano Nacional de Defensivos Agrícolas, que não só incentivava mas disponibilizava créditos para os produtores rurais dispostos a aplicar essa tecnologia venenosa, multinacionais produtoras de agrotóxicos se instalaram no Brasil com grandes vantagens de incentivos fiscais.
Qual  a alternativa para comer o alimento que deveria ser saudável? Existem paliativos, mas em muitos casos os venenos usados são absorvidos pela polpa do legume ou da fruta. Lava-se a casca, usando muita água corrente, mas arrisca-se o conteúdo.
É bom lembrar que o problema não está apenas na alimento crú. O veneno persiste no cozimento. A única alternativa é exigir um controle mais frequente da quantidade de pesticidas em amostras amplas, de modo a criar no agricultor senão a responsabilidade, pelo menos o receio de que no lucro obtido em plantações regadas a veneno pode ser ameaçado pelo consumo reduzido de seus produtos.
O Brasil é condescendente demais com os abusos de empresas que trabalham com produtos perigosos e isso inclui além dos defensivos agrícolas, a indústria farmacêutica e outra ameaça recente, a manipulação genética dos alimentos. Tudo isso exige um controle rigoroso. Há países que devolvem cargas inteiras de produtos brasileiros que chegam com resíduos de pesticidas. Esses mesmos produtos recusados por serem impróprios ao consumo são despejados no mercado interno.

Arquivo do blog